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O Coronelismo não morreu

Publicado em Sindicato Cidadão Domingo, 03 Agosto 2008 21:00

A Rocinha é uma comunidade carente do Rio de Janeiro, que tem mais de 120 mil habitantes, mais que o suficiente para eleger vereadores, deputados estaduais e federais.
Há poucos dias, a polícia civil do Rio encontrou, na residência fixa de três andares do líder do tráfico local, uma provável ata de reunião dos traficantes de lá, na qual se determinava: “Todo o empenho para o candidato da Rocinha!!! Ninguém trabalhando para candidato de fora. Não agendar visita e não convidar para eventos outro candidato”.
O “candidato da Rocinha!!!”, segundo a ata, é Claudinho da Academia (PSDC), que, em 2008, disputa uma vaga de vereador carioca.
Dizem que a Academia de Claudinho vale um milhão de reais, mas ele declara que não passa de 50 mil. Não importa. Vai ser difícil alguém comprá-la por qualquer desses preços, pois, como reza a ata, é difícil visitar a Rocinha sem ser convidado. Que o diga a também candidata a vereadora Ingrid Gerolimich (PT), barrada na primeira visita e que só entrou na segunda tentativa na companhia da Polícia Militar.
Claudinho da Academia, que impediu pessoalmente a primeira visita, declarou, na segunda, ao lado dos PM’s, que “o Estado garante o direito de ir e vir”.
O Estado pode ser. Os traficantes e milicianos do Rio, não. Vinte e nove candidatos já denunciaram ao TRE-RJ terem sido impedidos de entrar em comunidades carentes.
A ata da Rocinha também trata da questão do ir e vir: “Convidar os amigos que trabalha (?) para outro político para a próxima reunião. Quem faltar, vai (?) mandar buscar”. É a obrigação de ir à reunião ou o direito de virem te buscar pra ela.
A ata dos traficantes da Rocinha ressuscita o Brasil oligárquico, quando os latifundiários eram os “coronéis” da Guarda Nacional, praticamente um título de nobreza criado no Império, daí o termo Coronelismo para os currais eleitorais da República Velha.
Se a ata fosse de Rio das Pedras, também no Rio, a comparação com o Coronelismo seria ainda melhor, pois aquela comunidade é dominada por policiais militares acusados de cerca de 80 assassinatos e que, liderados pelo já deputado estadual Natalino Guimarães (DEM), reagiram à ordem de prisão da Polícia Federal a bala.
Na República Velha, os coronéis-fazendeiros criaram um estado paralelo ao Estado republicano nascente, fraco. Hoje, na Nova República, os traficantes ou milicianos criam um estado paralelo ao Estado republicano decadente, cuja “privatização”, a prevalência dos interesses privados, pessoais, corrompeu a máquina administrativa e gerou tantos desvios de verbas que a PF já não tem nem mais palavras na Língua Portuguesa para definir suas operações e recorreu ao sânscrito para batizar a Operação Satiagraha (“firmeza da verdade”), que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.
Na República Velha, os “coronéis” se beneficiavam da pobreza, da ignorância, da despolitização e, principalmente, do medo da população rural. Na Nova República, esses mesmos elementos são a base da exploração urbana. Essa exploração é facilitada pelo Estado republicano, mais que centenário, mas ainda incapaz de promover empregos, educação e segurança, entre outras coisas. O Estado, que no início do século XX não passava da porteira das fazendas, hoje, no século XXI, não passa da entrada das comunidades carentes. E, lá dentro, aonde as verbas não chegam porque, antes, já foram desviadas, campeia o autoritarismo, o clientelismo, o assistencialismo e o banditismo. As quadrilhas de traficantes e milicianos repetem os coronéis-fazendeiros e seus jagunços, o de estabelecer a dependência ou morte.
O resultado político de tudo isso foi e é o voto de cabresto, na República Velha e na Nova. O poder econômico distribui favores e balas para subjugar o eleitor.
No século XXI, o eleitor, que pensava já ser cidadão, continua sua vida de gado. E o pior, gado de corte, ameaçado a toda hora de passar de excluído a banido ou até morto.
Em 119 anos de República, muitos políticos se tornarem criminosos. Agora, cada vez mais, os criminosos se tornam políticos para conquistarem imunidades. E o povo, como disse Aristides Lobo sobre a Proclamação da República, assiste a tudo bestializado, sem saber se chama a polícia ou o ladrão, pois chamando um pode estar chamado o outro.
Formou-se um Estado paralelo policial, em sua pior reencarnação, que mataria de inveja, se estivessem vivos, ditadores de esquerda ou direita, de Hitler a Stalin.
E, caro leitor, se você morasse em um desses lugares, com toda a sua cultura, politização e personalidade, não pense que votaria em outro candidato que não fosse “o candidato da “comunidade!!!”.