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Governo vai usar dinheiro público para socorrer especuladores e R$ 1,2 trilhão para bancos

Publicado em Saldo Médio Quarta, 08 Abril 2020 14:33

O governo Bolsonaro está se aproveitando da crise econômica causada pela pandemia do coronavírus para usar dinheiro público em favor de bancos e especuladores. A Câmara dos Deputados aprovou, a toque de caixa, uma mudança na Constituição Federal para beneficiar os bancos, o setor que vem batendo recordes e acumulando centenas de bilhões de reais de lucros, mesmo com a recessão econômica que quebrou o parque industrial brasileiro e tem gerado seguidos prejuízos no varejo nos últimos anos.


A denúncia foi feita em artigo publicado no Monitor Mercantil nesta segunda-feira, 6 de março, pela coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli e pelo economista Eduardo Moreira. Segundo eles, “o novo pacote de ajuda aos bancos compromete recursos do orçamento público e gera dívida pública sem limite, tudo para engordar ainda mais o lucro dos bancos”.

 

R$1,2 trilhão para bancos

Num cálculo estimado de 24 milhões de beneficiados com a renda mínima de R$600 aprovada pelo Congresso Nacional, o investimento custaria para os cofres públicos um total de R$ 14,4 bilhões por mês. Já para os bancos, o setor que mais ganha dinheiro no Brasil há pelo menos quatro décadas, o governo concedeu a gorda quantia de R$1,2 trilhão e sem nenhuma contrapartida social, com o objetivo de “dar mais liquidez” e “fazer caixa” para as instituições financeiras, como disse o próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ex-executivo do Banco Bozano Simonsen.

 

Entenda a trama

A responsabilidade de impedir esta reversão na necessidade de investimentos para combater a crise está nas mãos do Senado. A desculpa da equipe do Ministro da Economia Paulo Guedes para injetar mais dinheiro no sistema financeiro é a de “socorrer empresas durante a crise do coronavírus, mas não é isso que está escrito no § 9º do novo artigo 115 que a PEC 10/2020 introduz à Constituição brasileira, que estabelece que “o Banco Central do Brasil, limitado ao enfrentamento da referida calamidade, e com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta, fica autorizado a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, e direito creditório e títulos privados de créditos em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”.

Mercados secundários significam negócios sem nenhuma regulação, sem referências de preços dos ativos (como acontece, por exemplo, numa bolsa de valores onde existe transparência e consolidação das melhores ofertas de compra e de venda). “Imagine um funcionário do Banco Central ao telefone, comprando bilhões em papéis podres, sem contrato escrito, sem estudo sobre previsão orçamentária, ou sobre o tamanho do dano ao erário que tal operação pode representar. A MP 930 torna o pessoal do Banco Central inatingível pela lei de improbidade administrativa”, explicam os dois especialistas.

Bancos e especuladores

Se aprovado o pacote, o BC poderá utilizar as reservas internacionais para recomprar títulos públicos das mesas de tesouraria de grandes bancos e especuladores no exterior, modificando completamente sua função original que é de proteção do real e da economia brasileira. Na prática, o BC junta-se aos especuladores utilizando dinheiro público para isso, o que pode custar bilhões aos cofres públicos que se reverterão em lucros para os bancos.

União arca com rombo

A segunda parte do referido § 9º é ainda mais grave, alerta o artigo, “pois coloca o Banco Central como um receptáculo de papéis podres, sem limite ou controle algum, beneficiando os bancos que adquiriram tais papéis no mercado financeiro”. Essa aberração já foi aprovada na Câmara e a operação para engordar ganhos do setor especulativo será bancada com 25% de recursos do Tesouro Nacional no ato da compra. E todo o rombo recairá sobre o Tesouro, pois este arca com todos os prejuízos do Banco Central (Lei de Responsabilidade fiscal, artigo 7º § 1º). Esse rombo pode custar trilhões, diante do grande volume de papéis podres existentes no mercado e a completa falta de restrição ou limite no texto da PEC 10, que abre a possibilidade dessa temerária compra pelo Banco Central envolvendo até papéis de bancos nacionais e estrangeiros tecnicamente quebrados.


“É a mais escandalosa transformação de dívidas privadas em dívida pública”, explicam os economistas. Os beneficados vão lucrar em cima das empresas em dificuldade, das quais adquirirão seus títulos de crédito a baixíssimo custo, diante da desvalorização de seus papéis justamente devido à crise e o que quiserem em cima do BC ao qual poderão vender esses títulos podres pelo preço que bem entender, pois no mercado secundário não há referência, controle ou supervisão alguma.

“As empresas em dificuldade não receberão um tostão sequer, como diz a propaganda dos que querem aprovar essa aberração”, afirmam.

Usualmente, bancos adquirem papéis desvalorizados, atuando como especuladores, apostando na ocorrência de uma reação que lhes permitiria ficar com todo o lucro. E quando não ocorre essa reação, esses bancos têm que arcar com a perda decorrente de sua atividade especulativa.

“Assim, ao contrário de ajudar empresas, o pacote ajuda aos bancos que atuam como especuladores e agora estão dando um jeito de empurrar aos cofres públicos os ônus de sua especulação, e, ainda por cima, usando o discurso da pandemia: uma verdadeira trapaça”, conclui o texto.